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Introdução

O tromboembolismo venoso (TEV) é composto pela trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP). O TEV tem significativa morbidade e mortalidade tanto para pacientes internados quanto ambulatoriais. O risco de trombose recorrente e embolização é maior nos primeiros dias após o diagnóstico. Assim, a anticoagulação inicial durante os primeiros 10 dias é crítica na prevenção da recorrência e morte relacionada à TEV.

Para a maioria dos pacientes com tromboembolismo venoso (TEV) que estão hemodinamicamente estáveis, sugere-se heparina subcutânea de baixo peso molecular (HBPM) ou fondaparinux, ou ainda, os inibidores orais do fator Xa (rivaroxaban ou apixaban), em vez de heparina não fracionada (HNF) intravenosa. As exceções são: grávidas, câncer ativo ou com insuficiência renal (depuração de creatinina ClCr <30 mL / minuto).

Protocolos

Esquema de HNF intravenosa ajustado pelo peso

Durante muitos anos, o tratamento inicial da TEV baseou-se na administração endovenosa, em infusão contínua, de heparina não-fracionada (HNF) com a monitoração do tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA). O esquema mais comumente recomendado é:

Dose inicial de 80u/kg, endovenosa em bolus

Infusão contínua de 18u/kg/hora

Dose ajustada segundo resultado de TTPA colhido a cada seis horas

TTPA<1,2: novo bolus de 80 u/kg IV, aumento da infusão contínua em 4 u/kg/h

TTPA entre 1,2 e 1,5: novo bolus de 40 u/kg IV, aumento da infusão contínua em 2 u/kg/h

TTPA entre 1,5 e 2,3: manter a infusão sem alteração

TTPA entre 2,4 e 3,0: redução da infusão contínua em 2 u/kg/h

TTPA acima de 3,0: interrupção da infusão contínua por uma hora seguida de redução da infusão contínua de 3 u/kg/h

OBS: após dois resultados de TTPA na faixa terapêutica, o exame passa a ser realizado a cada 24 horas. Se o TTPA sair da faixa terapêutica, retorna-se para o esquema acima.

Esquema de HNF intravenosa em dose fixa

Segue um protocolo semelhante ao anterior, mas permite doses IV fixas com ajustes pelo TTPA

Dose inicial: 5 mil ui IV bolus +

Infusão contínua: 1000 a 1500 ui IV/ hora com ajustes semelhantes ao esquema anterior.

Esquema de HNF subcutâneo com dose ajustada pelo peso

Embora não seja rotineiro, a HNF subcutânea ajustada pelo peso foi utilizada para pacientes sem adequado acesso venoso e com alguma contra-indicação para a HBPM (por exemplo, insuficiência renal grave). Normalmente, a HNF subcutânea é administrada 333 ui/ kg de dose seguida de 250 ui/kg a cada 12 horas, sem necessidade de controle pelo TTPA. Estudos que compararam a administração de heparina não-fracionada pelas vias subcutânea e endovenosa contínua mostraram eficácias e seguranças semelhantes.

Esquema com heparina de baixo peso molecular (HBPM)

Passaram a ser testadas inicialmente no tratamento dos episódios de trombose venosa profunda (TVP) e depois também na EP. Hoje, depois de vários estudos controlados e bem conduzidos, sabe-se que a HBPM pode ser empregada no tratamento TEV, desde que não haja instabilidade hemodinâmica ou risco de necessidade de reversão aguda da anticoagulação (sulfato de protamina não é eficaz). Apresentam eficácia e segurança discretamente melhores às do tratamento convencional com heparina não-fracionada. Entretanto não são recomendadas para pacientes com DRC estágio IV (ClCr < 30 ml/min).

A grande vantagem da HBPM é que não há necessidade de controle laboratorial da anticoagulação, ou seja, não há necessidade de monitoração do TTPA. Suas moléculas são menores e de tamanhos mais uniformes o que reduz a ligação à proteínas plasmáticas e aos macrófagos, aumentando a fração livre, responsável pelos efeitos farmacológicos. Assim, a ação é previsível, podendo-se calcular sua dose pelo peso do paciente. Sua administração subcutânea a cada 12h ou 24 horas é outro fator que facilita o tratamento. As heparinas de baixo peso molecular que dispomos no momento são a nadroparina, enoxiparina, dalteparina e tinzaparina, permitindo alta hospitalar precoce.

Posologia das HBPM no tratamento da TEV

Heparina         Posologia

Nadroparina     225 unid/kg/dia, subcutânea, de 12/12 horas (cada 0,3cc – 3.075 unidades)

Enoxiparina     2 mg/kg/dia, subcutânea, de 12/12 horas (cada 0,2cc – 20mg)

Dalteparina      200 unid/kg/dia, subcutânea, de 12/12 horas (1 ampola – 10ml 10.000unidades)

Tinzaparina      175ui/Kg/dia, sc. (não disponível nos EUA)

Anticoagulantes orais diretos

Rivaroxaban e apixaban são os únicos novos anticoagulantes orais diretos que foram estudados e aprovados pelas agências reguladoras como monoterapia (ou seja, não é necessário um pré-tratamento com heparina) para o tratamento de pacientes com TEV.

Quanto aos inibidores diretos da trombina (dabigatran) ou o inibidor de fator Xa edoxaban, sugere-se um curto curso de heparina (geralmente HBPM) por cinco dias antes da transição para terapia oral.

Os agentes anticoagulantes orais diretos NÃO são adequados para o tratamento de pacientes com EP hemodinamicamente instáveis ou com TVP iliofemoral maciça.

Warfarin

A varfarina não pode ser administrada como o único anticoagulante inicial para o tratamento de pacientes com TEV. No entanto, quando escolhido como anticoagulante de longo prazo, deve ser co-administrada com heparina, de modo que a anticoagulação completa seja assegurada. Acompanhar com INR na faixa alvo (geralmente no 2º exame na faixa de INR entre 2 e 3).

Sobre o estudo da HNF subcutânea ajustada pelo peso

Em agosto de 2006, foi publicado no JAMA um artigo que avaliou a possibilidade de se conduzir a anticoagulação com heparina não-fracionada subcutânea sem controle de TTPA, apenas com o ajuste da dose pelo peso. Argumentaram que o controle com TTPA nem sempre é fidedigno, pois diferentes reagentes são usados, bem como diferentes medidores do tempo de coagulação. Além disso, há interferência do nível de anticoagulação obtido pelo uso concomitante de warfarina e demora na heparinização inicial (medida pelo TTPA), aumentando o risco de recorrência.

O estudo foi conduzido em seis centros, entre setembro de 1998 e fevereiro de 2004. Os autores avaliaram pacientes com mais de 18 anos, com diagnóstico de TVP (ultra-som com duplex ou venografia) ou TEP (cintilografia de alta probabilidade, angiotomografia computadorizada ou quadro clínico compatível associado a TVP confirmada). Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, recebendo heparina não-fracionada (333 u/kg de ataque e 250 u/kg a cada 12 horas, por via subcutânea) ou HBPM (dalteparina ou enoxiparina). Nos dois grupos não houve monitoração da anticoagulação com medidas de TTPA. A warfarina era administrada já no primeiro dia de tratamento e a heparina era mantida por pelo menos cinco dias até a obtenção de INR acima de 2 por dois dias consecutivos. O tratamento era completado com warfarina por um mínimo de três meses. Os pacientes foram acompanhados durante 12 meses em relação à recorrência de TVP e/ou EP e ao desenvolvimento de sangramento.

Dos 708 pacientes, 355 receberam HNF e 353 pacientes receberam HBPM. Em relação aos diagnósticos, 80% apresentavam TVP sintomática, 19% EP e 1% TVP assintomática. A recorrência de eventos tromboembólicos foi de 3,8% nos pacientes tratados com HNF e de 3,4% nos tratados com HBPM (diferença de 0,4%, sem significância estatística). Dentro dos primeiros dez dias de tratamento, também não se observou diferença em relação às taxas de sangramento importante. O sangramento ocorreu em torno de 1% nos dois grupos.

Os autores ainda mediram o TTPA em 197 pacientes que receberam HNF. O fato de estar abaixo ou acima da faixa terapêutica não se correlacionou com a recorrência de fenômenos tromboembólicos ou com o surgimento de sangramento, respectivamente. Todos esses resultados sugeriram que a HNF administrada pela via subcutânea pode ser empregada no tratamento de TEV sem necessidade de controle do TTPA.

O tratamento com heparina não-fracionada sempre foi acompanhado de monitoração do TTPA, pelo receio de se ter grandes variações de efeitos em diferentes situações, com risco de não se ter o paciente anticoagulado ou, pelo contrário, se ter o paciente com anticoagulação excessiva, sob risco de sangramento. Esta necessidade sempre tornou complexa a heparinização, o que acabou por incentivar os estudos com HBPM, a despeito do seu custo.

Referências

Carson JL. Subcutaneous unfractionated heparin vs low-molecular-weight heparin for acute thromboembolic disease. Issues of efficacy and cost. JAMA, 2006; 296:991-993.

Kearon CK, Ginsberg JS, Julian JA et al. Comparison of fixed-dose weight-adjusted unfractionated heparin and low-molecular-weight heparin for acute treatment of venous thromboembolism. JAMA, 2006; 296:935-942.

Robertson L, Strachan J. Subcutaneous unfractionated heparin for the initial treatment of venous thromboembolism. Cochrane Database Syst Rev. 2017 Feb 14.

Robertson L, Jones LE. Fixed dose subcutaneous low molecular weight heparins versus adjusted dose unfractionated heparin for the initial treatment of venous thromboembolism. Cochrane Database Syst Rev. 2017 Feb 9;2.